O povo católico de tradição romana tem grande dificuldade em perceber o profundo sentido e valor da palavra de Deus na Liturgia. Normalmente, ainda damos muito pouca importância a ela. Compreende-se. É o resultado de uma herança de mais de mil anos, vinda de uma prática litúrgica em que, nas celebrações, a Palavra quase não contava.
Ela era lida, sim, na missa. Mas só pelo padre, em voz baixa (apenas para ele!), em latim, lá longe no altar, e de costas para o povo. O povo não ouvia nada do que o padre lia. Não tinha contato, portanto, com a Palavra naquele momento. Isso durou praticamente todo o segundo milênio, até o Concílio Vaticano II , que recupera a tradição do primeiro milênio, que dava à Palavra um valor tão grande quanto à Eucaristia.
A Constituição “Sacrosanctum Concilium” sobre a Liturgia, do citado Concílio, resgata para nós a consciência antiga da presença viva de Cristo na assembléia dos cristãos, de modo particular “pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja” (SC 7). É uma verdade provinda da grande tradição dos antigos Padres da Igreja que freqüentemente equiparam a palavra de Deus à encarnação e à Eucaristia.
Eles estão convencidos que a palavra da Sagrada Escritura é a presença de Deus entre nós, e que especialmente a palavra dos evangelhos, aceita pela fé, é a presença do Verbo encarnado. Conseqüentemente, o respeito que se tinha pela Palavra era tão grande que a Sagrada Escritura, especialmente os evangelhos, em muitos lugares era guardada num cofre semelhante ao sacrário. Na ábside das igrejas havia dois “sacrários”, um à direita e outro à esquerda, um para guardar a Eucaristia e o outro para guardar o livro da Palavra.
Daí se entende o que o Concílio Vaticano II afirmou na Constituição Dogmática “Dei Verbum” sobre a Revelação Divina. Diz ele: “A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, da mesma forma como sempre venerou o próprio Corpo do Senhor, porque, de fato, principalmente na Sagrada Liturgia, não cessa de tomar e entregar aos fiéis o pão da vida, da mesa, tanto da palavra de Deus como do corpo de Cristo” (DV 21).
Como se vê, as duas mesas são fontes de alimento para as pessoas que delas se aproximam. Dessa forma, a palavra de Deus é tão venerável quanto o Corpo Eucarístico de Jesus Cristo. Comungamos da mesa da Palavra, assim como comungamos da mesa da Eucaristia.
A mesa da Palavra: sua dignidade e seu uso na Liturgia
Assim sendo, se damos tanta importância ao altar da Eucaristia, por que não dar semelhante destaque ao espaço de onde a Palavra é proclamada? De fato, com o Vaticano II a Igreja acordou também para este detalhe. E a Instrução Geral sobre o Missal Romano acaba, então, nos lembrando que “a dignidade da palavra de Deus requer na igreja um lugar condigno de onde possa ser anunciada e para onde se volte espontaneamente a atenção dos fiéis no momento da liturgia da Palavra” (n. 309).
Trata-se da mesa da Palavra, ou ambão (do grego “anabaino”, subir, porque costuma estar em posição elevada, de onde Deus fala). Como já dissemos, em outra ocasião, Cristo é o protagonista da ação litúrgica, também no ambão, o espaço reservado para a proclamação da palavra de Deus. Isto significa que este espaço possui, também ele, um sentido simbólico-sacramental de fundamental importância. Ele nos evoca a presença viva do Senhor falando para o seu povo. A Instrução Geral fala de um “lugar condigno”.
A palavra “condigno” tem a ver com “proporcional ao mérito, ao valor”. Tem a ver com “devido, merecido”. Assim, pois, a palavra de Deus, por causa da sua dignidade (que é imensa!), requer naturalmente um espaço à altura desta dignidade, de onde ela é proclamada para toda a assembléia. E mais: um espaço para onde se volte espontaneamente a atenção dos fiéis no momento da liturgia da Palavra. Pois é dali que o Deus vivo está se comunicando com seu povo através da proclamação das divinas Escrituras.
A Igreja, hoje consciente do sentido profundo e da importância deste espaço sagrado de nossas igrejas, nos dá então a seguinte orientação: “De modo geral, convém que esse lugar seja uma estrutura estável e não uma simples estante móvel. O ambão seja disposto de tal modo em relação à forma da igreja que os ministros ordenados e os leitores possam ser vistos e ouvidos facilmente pelos fiéis” (ibid.). Interessante este detalhe: a mesa da Palavra seja disposta dentro da igreja de tal maneira “que os ministros ordenados e os leitores possam ser vistos e ouvidos com facilidade por todos”.
Por quê? Porque é um “direito” que o povo tem de ver e ouvir facilmente a voz de Deus que nos fala pela Palavra proclamada (cf. SC 14). É o que está acontecendo na maioria das nossas igrejas. As comunidades realmente estão caprichando, estão se esforçando ao máximo para fazer do ambão um verdadeiro monumento, ou melhor, um memorial que nos evoca a presença viva do Senhor falando para o seu povo. Para tanto, servem-se da ajuda até mesmo de artistas e pessoas especializadas em Liturgia.
Tem igrejas em que dá gosto ouvir a palavra de Deus na Liturgia, não só porque as pessoas lêem bem, mas porque o próprio lugar de onde se lê é inspirador pela sua beleza artística. E por falar em beleza artística, uma pequena sugestão aos desavisados: se a mesa da Palavra é construída com arte e ela aparece naturalmente bela (isto é, por si só já evoca o mistério da presença do Senhor), por favor, não encobrir esta maravilha com um pano, por mais bonitos que sejam os seus bordados!
Se o ambão já é belo por si, o bom senso sugere não cobrir este espaço sagrado com pretensos enfeites. Deixe a mesa da Palavra aparecer do jeito que ela é, bela como ela só! Mas tem outra coisa ainda em torno da dignidade desta mesa. Diz a Instrução Geral sobre o Missal Romano: “Do ambão são proferidas somente as leituras, o salmo responsorial e o precônio pascal; também se podem proferir a homilia e as intenções da oração universal ou oração dos fiéis.
A dignidade do ambão exige que a ele suba somente o ministro da palavra” (ibid.). A oração dos fiéis, no fundo, é a Palavra que, uma vez caída no coração da assembléia, se transforma num grito para Deus. É a Palavra transformada em súplica ao Senhor. Por isso se sugere que ela seja feita também do ambão. O mais (avisos, comentários etc.) seja feito de outro lugar. Precisamente para garantir e enfatizar a dignidade do ambão.
Enfim, ressaltando de novo a dignidade que tem a mesa da Palavra, a Igreja ainda sugere o seguinte:
“Convém que o novo ambão seja abençoado antes de ser destinado ao uso litúrgico conforme o rito proposto no Ritual Romano” . Prevê-se, portanto, até mesmo uma bênção especial para o ambão, antes de ser usado na Liturgia. Parabéns às comunidades que já têm o seu ambão instalado e trabalhado à altura da dignidade da Palavra de Deus. E Deus ilumine as comunidades que ainda estão buscando uma forma de valorizar, da melhor maneira possível, o lugar de onde Deus fala para o seu povo.
Fonte: IGMR,SC, Cerimonial dos bispos
Acessem: http://liturgiaemfoco.blogspot.com/
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