Ir. Aíla L. Pinheiro de Andrade, NJ
I. INTRODUÇÃO GERAL
(Texto publicado originalmente em Revista Vida Pastoral n. 280 de setembro-outubro de 2011).
O tema da vinha é predominante na liturgia de hoje. Trata-se de parábola comum ao Antigo e ao Novo Testamentos da qual primeiro os profetas e, depois, Jesus se serviram para falar do amor de Deus e da ingratidão do ser humano. Na primeira leitura, Isaías descreve a história de Israel como a história da vinha que o Senhor plantou e à qual deu condições para que produzisse bons frutos. O evangelho resume a metáfora de Isaías e a desenvolve, falando de outros imensos benefícios feitos por Deus, primeiramente o envio dos profetas e, enfim, o envio do Filho como prova suprema de amor. A segunda leitura pode ser tomada como um convite à gratidão para com Deus e como compromisso de nossa parte para darmos abundantes frutos de boas obras.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Mt 21,33-43): Entregarão os frutos no tempo certo
Numa releitura do texto de Isaías, o evangelho de hoje vem acentuar a importância dos líderes religiosos no exercício de sua missão na comunidade: cuidar da vinha.
O cultivo da vinha exige muita dedicação, porque ela representa frequentemente os escolhidos de Deus, que são muito valiosos para ele. O dono da vinha esteve distante até o tempo em que ela deveria dar frutos e a confiou a “empregados”. Jesus está dizendo a seus interlocutores que eles são apenas servos de Deus, que a função deles é entregar os frutos para o verdadeiro dono, mas eles quiseram fazer as coisas do jeito deles.
Os servos quiseram a parte que pertencia a Deus. Mas somente o Senhor tem a última palavra na condução do povo. E somente a Deus pertence o louvor, não aos líderes religiosos. Então a liderança religiosa já não estará com aquele grupo; caberá a quem fizer a vinha produzir frutos para Deus.
Essa realidade criticada pelo evangelho está presente na Igreja em todos os tempos, porque o ser humano é sempre tentado a usurpar o lugar de Deus. Para aprendermos a assumir nosso papel na liderança da comunidade, basta olhar para Jesus, que não se apegou a seu ser igual a Deus, mas assumiu a condição de servo (cf. Fl 2,6-7). E ele é o herdeiro da vinha. Por isso, Jesus é o caminho a ser seguido não somente pelos líderes religiosos, mas por todos os cristãos que queiram realizar na sua vida a vocação humana e cristã: ser para Deus. Se realizarmos essa vocação, certamente a vinha do Senhor dará muitos frutos no seu tempo.
2. I leitura (Is 5,1-7): Esperava que produzisse uvas boas
O poeta canta em versos a história de amor entre seu Amigo e a vinha. Primeiramente destaca o cuidado que seu Amigo teve para com ela: preparou a terra, plantou mudas selecionadas; deu-lhe proteção permanente com vigias, construindo uma torre; evitou que as uvas se estragassem, fazendo um tanque de amassar uvas. Esses cuidados fizeram dela uma “vinha preciosa” (Jr 2,21). Contudo a vinha não correspondeu às expectativas de seu proprietário. Para Isaías, a vinha é Israel e Judá, a totalidade do povo de Deus. Que expectativas não foram correspondidas? O exercício da justiça e do direito.
O poeta afirma que seu Amigo, o proprietário da vinha, identificado com o Senhor dos exércitos, convoca os moradores de Jerusalém para julgar a vinha. O proprietário faz duas perguntas: a primeira sobre as próprias atividades, e a segunda sobre a produção da vinha. No final, o proprietário dá uma sentença, anunciando o que fará. E suas atividades para com a vinha serão o oposto dos cuidados iniciais. O ápice é o v. 7, no qual estão em contraste as expectativas de Deus e a resposta negativa do povo.
A vinha não produz os frutos esperados, o povo não realiza obras que agradam a Deus, especificamente a justiça e o direito. Essas palavras da primeira leitura são bem atuais; hoje elas se dirigem a nós que somos povo de Deus em Jesus Cristo.
3. II leitura (Fl 4,6-9): Ocupai-vos com tudo o que é bom
O texto da segunda leitura traça um itinerário para que o cristão possa ter uma práxis que seja fruto de seu relacionamento com Deus.
Primeiramente diz: “Não vos preocupeis com coisa alguma”. Isso não significa ser irresponsáveis nas tarefas, nas atribuições, nas profissões, nos relacionamentos familiares etc., e sim que as preocupações com o cotidiano não devem tomar demasiado espaço em nossa vida. Quanto mais se confia em Deus, tanto mais os pensamentos ficam livres de aflições e ansiedades (cf. Mt 6,25 e 1Tm 5,8).
Se alguma situação se torna muito difícil para nós, então devemos nos reportar a Deus com orações e súplicas. A palavra “súplica”, no idioma em que o texto foi escrito, denota o sentido de algo do qual necessitamos muito, de alguma coisa vital para nós. Mas as orações e súplicas devem estar unidas à ação de graças, porque devemos agradecer a Deus antes mesmo de receber a resposta dos nossos pedidos. Talvez Deus não realize exatamente o que esperamos, mas sabemos que ele sempre responde às nossas orações e por isso devemos agradecer imediatamente.
Em seguida, após depositarmos nossas dificuldades nas mãos de Deus, então já não estaremos tão estressados como antes e poderemos saborear “a paz que supera todo entendimento” (v. 7). Sentimos paz não porque a situação foi resolvida, mas porque ela já não nos sufoca – afinal, somos a vinha bem cuidada de Deus. E como nossa mente já não está sobrecarregada com preocupações e ansiedades, então podemos nos ocupar com o que é essencial (v. 8): levar uma vida exemplar no mundo (dar testemunho), sendo verdadeiros, sabendo respeitar a dignidade do outro, sendo amáveis, sendo puros, enfim, praticando as virtudes.
Paulo termina dizendo que esse comportamento os filipenses aprenderam observando o modo como ele, Paulo, se comportava. Quem dera as pessoas pudessem também aprender essas coisas pelo testemunho dos cristãos. Então o mundo inteiro seria uma vinha que produz frutos agradáveis para Deus.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Também para os membros da Igreja valem as palavras de Isaías e de Jesus; por isso a homilia deve evitar estabelecer contraposição entre Israel e Igreja, para não deixar os cristãos numa posição muito confortável. Se a vinha, que é a vida de cada fiel na Igreja, não der frutos, Jesus dirá hoje as mesmas palavras que dirigiu aos líderes religiosos da sua época.
Estamos iniciando o mês missionário, e todo batizado deve ser “vinha do Senhor”, dar frutos e evitar o comodismo que freia a missão. Esta não deve ser entendida como atividade individual e fruto de recursos e capacidades humanas, mas sempre como colaboração com a obra missionária de Cristo, pois ele é a origem e fonte de toda atividade missionária na Igreja.
* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.
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