A última semana do Tempo Pascal, entre as solenidades da Ascensão do Senhor e Pentecostes, é marcada em todas as Igrejas no Hemisfério Sul da Terra pela Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. No Hemisfério Norte esta mesma semana se realiza no mês de janeiro de cada ano. Neste ano, entre nós, a Semana de 18 a 24 maio é toda dedicada a esta Oração pela Unidade dos Cristãos. Uma palavra de São Paulo motiva este ano a Semana de Oração para a Unidade dos Cristãos: Jesus lhe disse: Dá-me de beber! (João 4,7)
Os dois organismos que se responsabilizam pela Semana de Oração, Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos (Igreja Católica) e a Comissão Fé e Constituição do Conselho Mundial de Igrejas (Igrejas da Reforma), convidaram o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) para preparar os materiais para a Semana de Oração de 2015. O CONIC indicou um grupo de trabalho formado por representantes das Igrejas que são seus membros plenos e de organizações ecumênicas afiliadas para produzir o material.
O gesto bíblico de oferecer água a quem chega (Mt 10,42), como forma de acolhida e partilha, é algo que se repete em todas as regiões do Brasil. O estudo e a meditação propostos neste texto para a Semana de Oração têm o objetivo de ajudar as pessoas e comunidades a perceber a dimensão dialogal do projeto de Jesus, que chamamos de Reino de Deus.
Poderíamos perguntar: Por que esta semana de oração pela unidade dos cristãos?
A resposta nos vem não apenas de um preceito dado por Jesus, mas por um exemplo pessoal seu.
Tomemos o Evangelho segundo São João no seu capítulo 17. O que aí encontramos? Uma oração de Jesus, a última no final de sua Santa Ceia de despedida dos discípulos antes da Paixão e Morte, da Ressurreição e Ascenção ao Céu, como Seu verdadeiro Testamento.
Jesus reza ao Pai pela unidade, pela comunhão de seus discípulos. E coloca como medida desta unidade, Sua própria comunhão com o Pai Celeste no Espírito Santo que lhes será dado.
Jesus tinha dado o Mandamento Novo e Seu: “Isto é que vos mando: amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” (Jo 15,12. 17.)
Já neste mandamento Jesus coloca uma medida de amor que será pedida de seus discípulos: como eu vos amei.
Agora, em sua oração voltada ao Pai, Jesus já não pede aos discípulos que obedeçam ao Seu Mandamento, mas pede ao Pai que realize a medida do Amor entre os discípulos – unidade divina.
E ainda, como Jesus tinha mostrado aos seus a condição de reconhecimento de seu discipulado, na vivência do amor na medida de Jesus (cf. Jo 13, 35), agora pede ao Pai que os una no Seu Amor, para que o mundo creia (cf. Jo 17, 21).
O amor que une os discípulos de Jesus é seu distintivo, é sua característica, é seu testemunho diante do mundo.
E os cristãos estamos divididos!
Poderemos nos conformar com isso?
Como Jesus rezou no momento supremo para que seus discípulos não ficassem sós, mas amparados pelo Pai e sob a ação do Espírito Santo superem todas as barreiras e divisões. Assim se manifestará plenamente a obra de Jesus, obra pela qual se doou totalmente até a última gota de sangue e de água de Seu Coração traspassado pela lança do soldado que conferia sua morte. (cf. Jo 19, 34).
Para que se realize a unidade dos cristãos em plena comunhão no Senhor, será necessário mais que os esforços humanos de superação de suas diferenças. Para que a unidade se realize será preciso que a faça acontecer o próprio Deus, encontrando corações realmente disponíveis a Ele. E quanto mais formos autênticos discípulos de Cristo, mais estaremos unidos entre nós, de união verdadeira, na mesma vida divina da qual o Senhor nos faz participar.
Por isso somos chamados a rezar pela unidade dos cristãos, semente e instrumento para a unidade de todo o gênero humano.
E é esse o desejo de Deus!
O estudo e a meditação propostos neste texto para a Semana de Oração têm o objetivo de ajudar as pessoas e comunidades a perceber a dimensão dialogal do projeto de Jesus, que chamamos de Reino de Deus. O texto afirma a importância de uma pessoa conhecer e compreender sua própria identidade para que a identidade do outro não seja vista como uma ameaça. Se não nos sentimos ameaçados, estaremos capacitados para experimentar o outro como algo complementar: sozinha, uma pessoa ou uma cultura não se basta! Por isso, a imagem que emerge das palavras “dá-me de beber” é algo que nos fala de complementaridade: beber água do poço de alguém é o primeiro passo para experimentar o modo de ser do outro. Isso leva a uma partilha de dons que nos enriquece. Quando os dons do outro são recusados, há prejuízo para a sociedade e para a Igreja.
No texto de João 4, Jesus é um estrangeiro que chega cansado e com sede. Ele precisa de ajuda e pede água. A mulher está na sua própria terra; o poço pertence a seu povo, à sua tradição. Ela é dona do balde e é ela que tem acesso à água. Mas ela também está com sede. Eles se encontram e esse encontro oferece uma inesperada oportunidade para ambos. Jesus não deixa de ser judeu porque bebeu água oferecida por uma mulher samaritana. A samaritana permanece sendo ela mesma ao acolher o caminho de Jesus. Quando reconhecemos que temos necessidades recíprocas, a complementaridade acontece em nossas vidas de modo mais enriquecedor. Esse “Dá-me de beber” nos impulsiona a reconhecer que pessoas, comunidades, culturas, religiões e etnias precisam umas das outras.
Dizer “Dá-me de beber” supõe que Jesus e a Samaritana se perguntam mutuamente sobre aquilo de que têm necessidade. Dizer “Dá-me de beber”, leva-nos a reconhecer que as pessoas e as populações na sua diversidade, as comunidades, as culturas e as religiões têm necessidade uns dos outros.
“Dá-me de beber” traz consigo uma ação ética que reconhece a necessidade que temos uns dos outros na vivência da missão da Igreja. É algo que nos impele a mudar nossa atitude, a nos comprometer com a busca da unidade no meio de nossa diversidade, através de nossa abertura para uma variedade de formas de oração e espiritualidade cristã.
Rezamos para estarmos disponíveis à ação divina que nos arrebata em Seu Amor e faz de toda a humanidade Sua Família.
Neste ano, somos chamados a rezar pessoalmente, em nossas famílias e em nossas comunidades, Igrejas, com a oração do próprio Jesus (cf. Jo 17), abrindo-nos à superação de todas as divisões, em verdadeira comunhão de vida e de fé.
Rezamos sintonizados todos nesta semana, mas esta oração penetrará em nossa vida e continuará sempre a nos chamar ao exercício do amor comunhão dos discípulos de Cristo.
E assim será aberto o caminho para nos unirmos em nossa própria comunidade de fé, entre todos, sem distinção de pessoas, como irmãos em Cristo. Assim os cristãos todos, encontraremos mais o que nos une em Cristo do que nos divide. Assim a paixão do próprio Cristo pela unidade de todos nos fará viver a fraternidade universal além que qualquer distinção que tenhamos.
E o grande milagre, que só poderá ser realizado por Deus, acontecerá: “Haverá um só rebanho e um só Pastor”. (Jo 10, 16)
+ José Antonio Aparecido Tosi Marques
Arcebispo Metropolitano de Fortaleza
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